Enquanto o país sofre risco de fome extrema com o fim do auxílio emergencial, o governo não tem qualquer solução para amparar a população vulnerável e descarta a possibilidade de estender o benefício, sinalizando prioridade em não assustar o mercado. Em um evento da XP investimentos que aconteceu neste final de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, disseram ser contra a prorrogação do estado de calamidade pública por mais três meses, como defendem alguns congressistas. A medida possibilitaria mais parcelas do auxílio emergencial.
Durante o encontro com investidores, ao ser questionado sobre a possibilidade, Paulo Guedes demonstrou preocupação com a reação negativa do mercado. “O mercado está vendo problemas, vendo pessoas querendo quebrar o teto [de gastos], pessoas com más políticas querendo usar as doenças como uma desculpa para fazer políticas populistas. Queremos ouvir os sinais do mercado e agir corretamente”, disse o ministro, lembrando que a decisão deve partir do Congresso.
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que a presidência da casa tem o mesmo posicionamento do ministro. “Lendo as matérias das últimas semanas, e até do jornal, hoje, dizendo que há uma tentativa de prorrogar a calamidade por três meses para prorrogar o auxílio, como presidente da Câmara, eu digo que essa possibilidade não existe”, disse. Mais tarde, Maia reforçou sua opinião no Twitter – “Hoje, conversando com investidores, deixei bem claro que a Câmara não irá, em nenhuma hipótese, prorrogar o estado de calamidade para o ano que vem”. O presidente da Câmara disse que a solução deve ser encontrada dentro do orçamento atual, respeitando o teto de gastos.
Enquanto Maia e Governo não têm solução, o deputado federal Enio Verri (PT/PR) explica que a preocupação deve ser a manutenção do auxílio em R$ 600,00 e derrubar o corte do benefício pela metade, previsto pela MP 1000. “Nós lutamos pela manutenção do auxílio de R$ 600,00 e por mais tempo, independentemente da prorrogação do estado de calamidade. É o direito de quem não tem acesso a uma renda mínima”, defende o deputado. Verri diz que o Partido dos Trabalhadores está em negociação com os demais partidos de oposição para manter o valor integral.
A Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), juntamente com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e demais centrais sindicais também defendem a prorrogação do auxílio no valor de R$ 600,00. Para Sérgio Takemoto, presidente da Fenae, a decisão de Maia e Guedes demonstra que não é prioridade do governo amparar a população mais vulnerável e que mais precisa do auxílio. “A crise vai se aprofundar, o desemprego vai aumentar e o governo não faz ideia de como resolver o problema. Se não vai prorrogar, qual solução para que milhões de brasileiros não morram de fome? O Governo precisa direcionar a preocupação que tem com o mercado para as pessoas que não vão ter o que comer”, avaliou. “Os alimentos estão mais caros. Ainda tem mais despesas básicas – conta de água, gás, luz. Sem renda, as famílias vão mergulhar em um profundo desespero por conta da inabilidade e irresponsabilidade deste governo”.
Pressão aumenta
A CUT e demais centrais sindicais mantêm a pressão na Câmara para votar a MP 1000 e preservar o valor de R$ 600,00. A medida estende o auxílio emergencial até dezembro, mas reduz o valor do benefício para R$ 300. Na semana passada, dirigentes foram ao Congresso pressionar pela manutenção do valor integral. A ação faz parte da campanha “600 Pelo Brasil – Coloca o Auxílio Emergencial pra votar, Maia”. (conheça a campanha https://bit.ly/3jdxDuT ) “Bolsonaro não quer que a MP seja votada, para que caduque em dezembro e permaneçam os R$ 300, e ele opera isso no Congresso de forma escancarada”, alerta o presidente nacional da CUT, Sérgio Nobre. “Essa medida perversa do governo Bolsonaro de reduzir o auxílio à metade é um crime; esse valor não compra sequer uma cesta básica”.
Fome extrema
Com o corte do auxílio emergencial, o Brasil pode mergulhar em uma crise alimentar comparada à fome extrema que o continente africano sofreu no século passado. Quem alertou sobre este perigo foi José Graziano da Silva, coordenador do Programa Fome Zero, do Governo Lula. Juntamente com outras políticas públicas, o programa ajudou a tirar o Brasil do mapa da Fome em 2014.
Graziano, que dirigiu a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) até o ano passado, disse que o número de famintos no País pode dobrar, caso o benefício emergencial seja cortado ou se o valor for insuficiente para comprar a cesta básica. “É fato que o auxílio emergencial melhorou um pouco a distribuição da renda e evitou que mais de 60 milhões de pessoas ficassem sem nenhum rendimento por alguns meses. Por outro lado, um eventual corte do auxílio antes da retomada plena – que deverá demorar pelo menos até final de 2021, avaliando o cenário mais otimista depois de a vacina imunizar a maioria da população – poderá incorrer em risco de uma crise alimentar similar a das fomes extremas que tristemente caracterizaram o continente africano no século passado”, informou Graziano, em entrevista ao portal UOL.