Um novo recorde em valores de financiamentos imobiliários com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) foi estabelecido em setembro de 2020, com registro de R$ 12,91 bilhões. O resultado, o maior desde o início da série histórica em julho de 1994, é de alta de 70,1% em relação a igual período do ano passado, com expansão de 10,2% frente ao mês imediatamente anterior. O anúncio é da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), conforme notícia divulgada esta semana pelo jornal “Valor Econômico”.
Segundo a entidade, no acumulado entre setembro de 2019 e agosto de 2020, os empréstimos para aquisição e construção de imóveis somaram R$ 102,78 bilhões. Esse total é 44,1% superior ao volume dos 12 meses anteriores. Os números apontam que, em setembro, foram financiados 42 mil imóveis, alta de 54,6% na comparação anual e crescimento de 6,4% no comparativo mensal.
A Caixa Econômica Federal, principal responsável pela execução de políticas públicas no segmento habitacional, manteve-se na liderança do crédito imobiliário em setembro. Detém 70% desse mercado. O registro da Abecip é de R$ 5,623 bilhões financiados nas modalidades construção e aquisição. Entre janeiro e setembro, a poupança teve captação líquida de R$ 105,8 bilhões. Essa foi também a melhor marca da série desde 1994. O patamar é visto como reflexo da redução do consumo e de uma maior preocupação financeira decorrente da pandemia e do isolamento social.
Exclusão das famílias de baixa renda
Apesar do crédito imobiliário ter registrado crescimento expressivo em setembro, o governo Bolsonaro mantém a população de baixa renda excluída das medidas voltadas para a redução dos efeitos da crise econômica em habitação. As ações anunciadas para o setor não abrangem a faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), composta por famílias com renda mensal de até R$ 1,8 mil, a única que o caracteriza como programa social. Pela política em vigor, conforme prevê o novo programa Casa Verde Amarela, apontado como substituto do MCMV, a intenção do atual governo é deixar intocadas as faixas 2 e 3, que atuam como linhas de financiamento imobiliário e são destinadas aos que têm renda maior que três salários mínimos, representando apenas 8% do déficit habitacional brasileiro.
A julgar pelo que vem sendo anunciado na imprensa, o propósito é o da transformação do MCMV em uma linha de crédito, tal como ocorreu com o Banco Nacional da Habitação (BNH) durante a ditadura militar, anulando seu caráter de programa social. Estuda-se, inclusive, a doação de terrenos públicos para construtoras e, em troca, essas empresas vão construir condomínios em locais afastados, cujos apartamentos passam a ser disponibilizados através de um aluguel de “valor simbólico”. Como resultado disso, as famílias consideradas pobres só poderão financiar uma unidade habitacional própria se comprovarem renda suficiente.
Esse modelo recebe duras críticas da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), para quem a meta do governo é oficializar o fim do acesso à moradia popular para as famílias de baixa renda, ao limitar dramaticamente o subsídio em larga escala como base da política habitacional. “Trata-se de um arranjo precário e visa legitimar o desinvestimento do Estado na faixa 1 do MCMV, convertendo o programa em mera linha de crédito imobiliário, voltada para setores médios da população. Essa política é residual e não apresenta, sob qualquer hipótese, escala massiva”, denuncia Sergio Takemoto, presidente da Fenae. Ele lembra que, hoje, o déficit habitacional no país é de 7,8 milhões de famílias, número que só cresce com o aumento do desemprego e a queda da renda. Segundo Takemoto, a ausência de uma política pública de habitação social poderá gerar, nos próximos anos, uma explosão do número de sem-teto e um agravamento dos conflitos urbanos.
Os ataques governamentais às famílias abrigadas na faixa 1 do Minha Casa Minha Vida aparecem em diversos formatos, alguns sutis e outros de maneira escancarada. Um exemplo dessa situação vem ocorrendo durante a pandemia, com essa faixa do programa recebendo a negativa do benefício da suspensão do pagamento das prestações da casa própria. O governo federal também se recusou a conceder ao segmento, o mais carente do país, a pausa nos financiamentos imobiliários. Esse retrocesso levou ao aumento desenfreado de despejos de muitas famílias, por não terem condições de pagar as prestações das moradias subsidiadas, conforme denúncia formalizada pela Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam).
Paralela a essa exclusão da baixa renda, a gestão Pedro Guimarães vem apostando em operações de menor risco da carteira de crédito para reduzir inadimplência. O mecanismo é normal entre as instituições financeiras privadas. Mas, para o presidente da Fenae, a Caixa não é um banco qualquer, pois tem um papel social e de regulação do setor que não pode ser ignorado. “Como essa característica está se perdendo, com ações de venda de partes rentáveis do banco e com fechamento de unidades combinada com demissões de empregados, precisamos derrotar essa narrativa privatista e projetos alinhados a esse dinâmica de agressão ao Estado Democrático de Direito”, denuncia.
Para fazer frente a essa realidade adversa, Sergio Takemoto observa que a luta por moradia digna dialoga com o movimento nacional em defesa da Caixa 100% pública, “banco que se mostrou fundamental para a efetivação de políticas públicas como o Minha Casa Minha Vida, hoje um dos principais alvos da política de restrição fiscal do governo federal, acarretando seguidos freios por novos projetos nas faixas subsidiadas do programa”. De acordo com ele, os trabalhadores devem continuar na luta por nenhum direito a menos, mantendo-se unidos para enfrentar os desafios provocados por um governo sem qualquer interesse em promover uma política pública que atenda à população de baixa renda, justamente o setor que registra o maior déficit habitacional.