Apesar de políticas afirmativas e importantes avanços conquistados ao longo dos anos, o Brasil ainda tem uma sociedade profundamente racista e desigual. Durante a pandemia da Covid-19, essa realidade se tornou ainda mais evidente. Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socieconômicos (Dieese) homens e mulheres negros foram mais afetados pelo isolamento social e redução do nível da atividade econômica.

A análise da entidade está baseada em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme esse levantamento mais de 6,4 milhões de negros e negras saíram da força de trabalho – como ocupados ou desempregados, entre o 1º e o 2º trimestre de 2020. Eles perderam ou deixaram de procurar emprego por acreditar não ser possível conseguir nova colocação. Entre os brancos, o número de pessoas nessa mesma situação chegou a 2,4 milhões.

Segundo o Dieese, na comparação entre o 4º trimestre de 2019 e o 2º trimestre de 2020, entre os negros, o número subiu para 7,4 milhões. Para os não negros e não negras, o total pouco se alterou, chegando a 2,7 milhões de pessoas.

“Esses números mostram o que já era sabido. O que acha atenção é que na pandemia essa desigualdade se aprofundou em vários aspectos, seja do ponto de vista da taxa do desemprego, seja do ponto de vista da perda de postos de trabalho, da remuneração. Enfim, o que os dados revelam é uma piora das condições de inserções dos negros em relação aos não negros”, avalia José Silvestre, diretor adjunto do Dieese.

Conforme o boletim divulgado pelo Departamento, dos 8 milhões de pessoas que perderam o emprego entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, 6,3 milhões eram negros e negras, o equivalente a 71% do total. Entre o 4º trimestre de 2019 e o 2º de 2020, cerca de 72% ou 8,1 milhões de negros e negras estavam em situação vulnerável no país.

“Como consequência da saída de muitos trabalhadores da força de trabalho, a taxa de subutilização, que expressa a demanda potencial por trabalho, aumentou em 2020. Entre as negras, chegou a 18,2% no 2º trimestre deste ano, e entre os negros, a 14,0%. A taxa de subutilização da mulher não negra ficou estacionada em 11,3%, enquanto a de homens não negros foi de 9,5%”, destaca o boletim.

“É um quadro desolador que demonstra o quanto o racismo estrutural está entranhado nas instituições e especialmente na economia. É preciso lembrar que o Estado brasileiro é racista historicamente e as instituições da política, do Judiciário, da economia e do sistema financeiro continuam reproduzindo esse racismo estrutural. É preciso que a gente lute e entenda que para ter uma democracia real no país é preciso combater o racismo, é preciso derrotar as práticas racistas”, enfatiza a diretora de Relações do Trabalho da Fenae, Rita Lima.

Segundo a dirigente, as relações de trabalho ainda são muito marcadas pela “lógica casa grande e senzala” e o sistema financeiro não foge dessa estrutura. “No caso dos bancos públicos ainda temos alguns negros porque eles passam em concurso, mas nos bancos privados são casos muito isolados de pessoas negras ou pardas nessas instituições”, diz a diretora da Fenae.

Segundo o diretor adjunto do Dieese, o país teve avanços importantes, como políticas afirmativas para amenizar a dívida histórica com os negros por meio das cotas e programas sociais para estimular a ascensão social e ampliar as oportunidades, mas no governo atual o que se tem é uma piora escancarada das condições de vida da população negra.

Para o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sergio Takemoto, é preciso resistir aos retrocessos e buscar alternativas para acabar com qualquer tipo de segregação. “Precisamos ter mais políticas públicas para alterar esse cenário de forma a garantir o acesso dos negros a direitos, bens e serviços semelhante ao restante da população”, defende o dirigente.

A diretora de Políticas Sociais da Fenae, Rachel Weber, avalia que a luta contra a discriminação racial é de todos.  “Nós não podemos negar as diferenças. Precisamos reconhecê-las e fortalecer a resistência contra o aprofundamento da opressão dos negros e buscar a democracia racial no país”, acrescenta.

Data

Para chamar a atenção para a desigualdade racial no Brasil, foi criado o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. A data marca a morte de um dos maiores lutadores contra a escravidão no Brasil, Zumbi dos Palmares. O objetivo é trazer como reflexão a importância do povo e da cultura africana na construção do país.

Dada a sua importância, o Dia da Consciência Negra passou a ser feriado em alguns locais do Brasil. No total, são 832 cidades brasileiras dos 5.570 municípios do país que consideram a data um feriado. Isso porque, mesmo sendo comemorada oficialmente desde o ano 2011, pela Lei 12.519, que instituiu o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, ela não entrou para o calendário de feriados nacionais, devido ao Congresso nunca ter legislado sobre o tema.

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